O Orçamento Sigiloso nas Licitações das Estatais

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A regra do Sigilo no Orçamento Estimado nas Licitações de empresas estatais

A Lei nº 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais, traz um arcabouço  jurídico direcionado à empresa pública, à sociedade de economia mista e suas subsidiárias, bem como às prestadoras de serviços públicos, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Lei traz regras para divulgação de informações, práticas de gestão de risco, formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade, constituição e funcionamento dos conselhos, requisitos mínimos para nomeação de dirigentes, tudo com foco na transparência e governança das estatais.

No que se refere às normas de licitações e contratos, a Lei das Estatais passou a disciplinar a realização de licitações e contratos no âmbito dessas entidades, especificamente entre os artigos 28 e 84. Assim, a Lei nº 8.666/1993 passa a ser aplicada apenas nos casos expressamente previstos na Lei ou  de forma subsidiária, quando houver lacuna na Lei nº 13.303/2016.

Importante destacar que a Lei das Estatais traz como diretriz a adoção preferencial da modalidade pregão, para  aquisição de bens e serviços comuns, não havendo previsão expressa de outras modalidades, conforme se depreende do art. 32, inciso IV:

“Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:

(…)

IV – adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 , para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado;”

A legislação  continua a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, mantendo os princípios constitucionais explícitos e implícitos já conhecidos e expressamente contidos na Lei nº 8.666/1993, quais sejam: impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, eficiência, probidade administrativa, economicidade, desenvolvimento nacional sustentável, vinculação ao instrumento convocatório,  obtenção de competitividade e  julgamento objetivo.

Nessa esteira, é que se traz a discussão da regra do sigilo no orçamento estimado frente ao princípio da publicidade e da seleção da proposta mais vantajosa, instituto já conhecido do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), in verbis:

“Art. 34. O valor estimado do contrato a ser celebrado pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista será sigiloso, facultando-se à contratante, mediante justificação na fase de preparação prevista no inciso I do art. 51 desta Lei, conferir publicidade ao valor estimado do objeto da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.

  • 1º Na hipótese em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório.
  • 2º No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.
  • 3º A informação relativa ao valor estimado do objeto da licitação, ainda que tenha caráter sigiloso, será disponibilizada a órgãos de controle externo e interno, devendo a empresa pública ou a sociedade de economia mista registrar em documento formal sua disponibilização aos órgãos de controle, sempre que solicitado.”

Verifica-se, portanto, que a regra é que a estimativa de custos não seja publicizada aos licitantes.

Vale lembrar que o sigilo do orçamento está fundamentado em regras de compliance concorrencial, e a não publicização do preço máximo como referência é inclusive recomendação da OCDE[1], com objetivo de dificultar negociações escusas e formação de cartéis.

O sigilo, contudo, não é conferido aos órgãos de controle interno e externo, os quais deverão ter acesso sempre que entenderem necessário.

Outrossim, o sigilo na estimativa de custos para o licitante não pode ser entendido pelos gestores públicos como possibilidade de que se deflagre um certame licitatório sem que o orçamento esteja devidamente finalizado, tendo o Tribunal de Contas da União já decidido pela ilegalidade do edital, ao julgar um caso em que se utilizou o Regime Diferenciado de Contratação:

“ACÓRDÃO Nº 2832/2015 – TCU – Plenário – Relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa.

(…)

9.3.3. a elaboração do orçamento base após publicação do edital constitui descumprimento do art. 8º, § 5º, e art. 2º, parágrafo único, da Lei 12.462/2011;

(…)

A possibilidade de tornar sigiloso o orçamento elaborado pela administração, dado pelo art. 6º da Lei 12.462/2011, não significa que esse possa ser preparado no interstício entre a divulgação do edital e abertura dos lances dos participantes, conforme se depreende da leitura integral da Lei do Regime Diferenciado de Contrações Públicas. Segundo o parágrafo único do art. 2º da Lei do RDC, o orçamento detalhado do custo global da obra é um dos elementos mínimos do projeto básico que, de acordo com o § 5º do art. 8º, deverá estar aprovado pela autoridade competente para as licitações de obras e serviços para os regimes de empreitada por preço unitário, caso do edital em questão. (…) Tal procedimento, além da aderência legal, possibilita uma maior qualidade no processo de orçamentação, que poderá realizar as cotações juntos aos fornecedores e revisões das composições sem risco de interrupção dos trabalhos devido a data de abertura das propostas.”

Esse entendimento tem sido aplicado de forma análoga ao regime das estatais.

Ademais, a intenção de conferir sigilo ao licitante não pode ser entendida como um obstáculo para que o particular possa formular sua proposta, sob pena de  frustrar a finalidade precípua da contratação pública que é selecionar a proposta mais vantajosa à Administração.

Ocorre, entretanto, que diferentemente do RDC, a Lei das Estatais não determinou em qual momento específico o orçamento deve ser então publicizado.

Verifica-se, assim, que diante de algumas situações, a manutenção do sigilo do orçamento pode ser prejudicial ao interesse público, podendo ocasionar em preços exorbitantes ou até mesmo inexequíveis, afastando o objetivo principal da contratação, repita-se: selecionar a proposta mais vantajosa.

Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União exarou o Acórdão nº 1502/2018 – TCU – Plenário, de relatoria do Ministro Aroldo Cedraz, em que considerou ilegal a não divulgação do preço de referência em edital de licitação na modalidade pregão, quando utilizado como critério de aceitabilidade de preços, em uma licitação regida pela Lei das Estatais.

 

No caso mencionado, a licitante foi desclassificada do certame, sob a alegação de ter apresentado preços excessivos quando comparados aos valores de mercado. Ocorre que o órgão contratante não divulgou o orçamento estimado, utilizado como critério para desclassificar a empresa.

 

Ora, se os preços de referência estão sendo utilizados como critério de aceitabilidade de propostas, não se mostra coerente, a permanência do sigilo no orçamento, impedindo que a licitante possa inclusive adequar a sua proposta, beneficiando o interesse público.

 

A Corte de Contas ainda reiterou o caráter não absoluto de sigilo no orçamento, levando em consideração o caso concreto, determinando a anulação do Pregão. Veja-se:

“Acórdão 1502/2018 Plenário – TCU:

No que se refere à não divulgação do orçamento de referência, os argumentos trazidos pela Chesf não se mostram aptos a afastar a irregularidade apontada. A jurisprudência desta Corte é firme quanto à obrigatoriedade de divulgação dos preços de referência em editais de licitação quando forem utilizados como critério de aceitabilidade das propostas, conforme os precedentes já elencados, bem como o Acórdão 2.166/2014-TCU-Plenário (rel. Ministro Augusto Sherman) e o Acórdão 745/2018-TCU-Plenário (rel. Ministro Benjamin Zymler).

Ademais, não identifico, na redação da Lei 13.303/2016, proibição absoluta à revelação do orçamento de referência, mesmo porque o art. 34 daquele diploma faculta à contratante conferir publicidade ao valor estimado mediante justificação – in casu, a adoção do preço de referência como critério de aceitabilidade da proposta não apenas justifica, mas obriga, referida divulgação, em homenagem ao princípio da publicidade insculpido na Constituição Federal.

Desse modo, considerando os exames promovidos nestes autos, resta reconhecer a procedência parcial da representação, fixar prazo para anulação do certame, revogar a cautelar anteriormente concedida, e, por fim, dar ciência à Chesf sobre a irregularidade identificada, arquivando-se os autos após as comunicações de praxe.”

 

É ainda de se destacar que a Lei das Estatais traz a obrigatoriedade de negociação dos preços com o primeiro colocado para obtenção de condições mais vantajosas, com base no orçamento estimado:

“Art. 57. Confirmada a efetividade do lance ou proposta que obteve a primeira colocação na etapa de julgamento, ou que passe a ocupar essa posição em decorrência da desclassificação de outra que tenha obtido colocação superior, a empresa pública e a sociedade de economia mista deverão negociar condições mais vantajosas com quem o apresentou.

  • 1º A negociação deverá ser feita com os demais licitantes, segundo a ordem inicialmente estabelecida, quando o preço do primeiro colocado, mesmo após a negociação, permanecer acima do orçamento estimado.”

Assim, se a negociação terá como base o orçamento estimado, se admite que nos casos em que os preços ali contidos serão utilizados como critério de classificação da proposta, o sigilo do orçamento deverá ser retirado antes da negociação, sendo esse o momento adequado para publicização.

O licitante, portanto, terá direito de conhecer os preços de mercado contidos no orçamento, quando o órgão contratante determinar a adequação da proposta de preços sob pena de desclassificação. A retirada do sigilo, nesse caso, imprimirá celeridade e eficiência à contratação, além de contribuir para o interesse público.

 

CONFIRA A PUBLICAÇÃO ORIGINAL EM:

Artigo O Pregoeiro – Licitações nas estatais

 

 

 

 

 

 

[1] Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico